Em Mato Grosso, 23,8% da área total do estado é cobiçada pela mineração, o equivalente a duas vezes o território de Portugal mais 20 cidades de São Paulo. Entre os interessados, estão transnacionais do setor, cooperativas de garimpeiros e até parentes de políticos locais.

Entre 2018 e fevereiro de 2024, o estado registrou aumento de 57,6% na quantidade de processos minerários, que são pedidos para pesquisar ou explorar minérios feitos por pessoas ou empresas à Agência Nacional da Mineração (ANM).

No período, o número dessas requisições passou de 7.526 para 11.859 no início de 2024, representando um crescimento de 57,6%. Este aumento não inclui dados de garimpo ilegal.

Os dados e a análise são do Boletim de Monitoramento de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena, produzido pela Operação Amazônia Nativa (Opan) com base em informações da ANM.

Os minerais mais requisitados à ANM são ouro (52%), cobre (23%) e diamante, manganês e chumbo, que dividem a terceira posição com 3% cada.

Por que houve aumento?

Ricardo Carvalho, da Operação Amazônia Nativa (Opan), aponta várias causas para esse aumento de mais de 50% no interesse pela mineração do estado, entre elas a postura do governador Mauro Mendes (União Brasil).

“Existe um posicionamento muito claro do governo de Mato Grosso em explorar o ‘potencial mineral’ do estado’”, afirma Carvalho. Esse incentivo está ligado ao incremento da arrecadação através da Contribuição Financeira por Exploração Mineral (CFEM).

Além disso, Carvalho aponta que a Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec), agilizou análises dos Requerimentos de Lavra Garimpeira (RLG) e flexibilizou medidas de licenciamento ambiental.

Os interessados na mineração em Mato Grosso variam desde grandes mineradoras até cooperativas de garimpeiros. “Entre as grandes empresas, destacam-se a Anglo American Niquel Brasil, filial da multinacional Anglo American, e a Nexa Recursos Minerais S.A., do grupo Votorantim”, diz Carvalho.

“Também há processos minerários em nome de pessoas físicas, incluindo familiares de políticos locais, e uma maioria de RLGs solicitados por cooperativas de garimpeiros”, acrescentou o integrante da Opan.

Estratégias burlam limites

Segundo a Opan, uma parte significativa dos processos minerários utiliza estratégias para burlar a legislação e ampliar as áreas de lavra garimpeira - muitas vezes além dos limites estabelecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

“Com relação a essas estratégias, há duas situações distintas que foi possível observar: as grandes mineradoras se valem de informações sobre estudos de potencial de jazidas minerais em determinadas regiões para chegar primeiro na solicitação de vários processos minerários que ocupam grandes extensões territoriais”, explica Carvalho.

Já as cooperativas de garimpeiros, frequentemente, apresentam pedidos contíguos de Requerimentos de Lavra Garimpeira (RLG), cada um com áreas menores que 10 mil hectares, mas que na prática formam uma única grande área de exploração.

“Essa estratégia das cooperativas permite contornar a restrição da Agência Nacional de Mineração e obter permissões para grandes áreas de lavra garimpeira”, disse o integrante da Opan.

Garimpo atrai crime organizado

Na bacia do rio Juruena, que percorre o Mato Grosso e desagua no rio Tapajós, a contaminação dos corpos d’água e dos recursos pesqueiros vem sendo relata à Opan pelas populações tradicionais da região.

Além disso, o Opan observou a contaminação do solo, desmatamento, destruição de locais de relevância histórica e cultural e o aumento da violência devido ao envolvimento do crime organizado nas atividades garimpeiras.

“É generalizado nas comunidades um sentimento de pavor com relação ao envolvimento de agentes do crime organizado [facções criminosas] com as atividades de mineração, principalmente com as atividades garimpeiras”, relatou Carvalho.

As populações indígenas e as comunidades tradicionais expressam grande preocupação com esses impactos, especialmente devido à falta de consulta prévia e informada sobre os empreendimentos minerários.

“As licenças ambientais já estão começando a operar no leito dos rios, o que vem causando grande preocupação no movimento social e nas populações indígenas que sequer passaram por um processo de consulta, livre, prévia e informada com relação a esses empreendimentos”, concluiu o pesquisador da Opan.