• Após debate no dia 27 de junho, redes retomaram teses de que Biden seria controlado por um sistema maior;

  • Mensagens nos grupos de Telegram fazem alusão à teoria de que não é ele quem de fato governa os Estados Unidos;

  • A situação também esbarra no Brasil: comparação entre Biden e Lula tem sido feita para questionar sanidade do petista.

Os questionamentos sobre a saúde e a idade do presidente Joe Biden, 81 anos, se tornaram o principal assunto da campanha presidencial nos Estados Unidos após o desempenho negativo dele no primeiro debate contra seu adversário, o republicano e ex-presidente Donald Trump, no último dia 27.

As dúvidas sobre a sanidade mental e corporal do atual presidente estão na pauta há bastante tempo e se desdobram em pedidos de aliados para que ele desista da reeleição. Também impulsionam teorias conspiratórias de que Biden, que concorre à reeleição pelo partido Democrata, seria apenas um fantoche do deep state.

Segundo os conspiracionistas, o deep state é uma rede secreta de membros do governo americano, eleitos ou não, que trabalham em conjunto com elites financeiras, industriais e intelectuais para exercer poder e influenciar a política global.

“Após o debate, entre as mensagens sobre as eleições americanas mais compartilhadas nos grupos de Telegram monitorados pelo Aos Fatos, muitas fazem alusão à teoria de que há pessoas controlando o presidente americano ou influenciando seu estado de saúde”.

“Difícil crer que Biden continuará na corrida presidencial após o último debate. Todos sabem que já não é ele quem de fato governa os Estados Unidos, não há capacidade cognitiva — há muito tempo”, afirma uma delas.

“O que Joe Biden entrega aos homens de preto?”, questiona outra mensagem. A expressão é utilizada pelos usuários para descrever pessoas a serviço de supostas organizações subterrâneas que controlariam o governo dos Estados Unidos.

Há também quem acredite que as dúvidas sobre a capacidade do presidente já estavam programadas e faziam parte dos planos ocultos do deep state. “John Macfee [sic], que fugia do ‘DEEP STATE’ e disse que seria morto pelo ‘sistema’( aliás, acabou mesmo misteriosamente morto)… nos adiantou em 2020 que Biden seria declarado demente em setembro!”, dizia a mensagem mais compartilhada no aplicativo sobre o tema.

John McAfee foi um controverso empresário conhecido por criar o primeiro software antivírus comercial, que leva o seu sobrenome. Em outubro de 2020, após acusações de sonegação de lucros obtidos no comércio de criptomoedas, ele foi preso na Espanha a pedido da Justiça americana. Anos antes, ele já havia sido acusado de participação em um homicídio na ilha caribenha de Belize, onde viveu.

A extradição de McAfee da Espanha aos Estados Unidos já estava prevista, mas antes que isso acontecesse ele foi encontrado morto em sua cela, em junho de 2021. O laudo oficial indica suicídio, mas teorias conspiratórias afirmam que ele teria sido assassinado como queima de arquivo.

Outra teoria compartilhada nos grupos do Telegram dá a entender que Biden estaria utilizando remédios experimentais para impulsionar sua performance. “Vídeos bizarros de Biden estão correndo a internet. Neste ele aparece sem piscar os olhos com uma aparência senil, e isso faz cogitar se não foi feito um experimento da ‘turminha’ da Pharmakeia, para tentar fazer o cérebro pegar no tranco”, alegava a mensagem.

A mensagem retoma acusações feitas por Trump, que disse em um evento de campanha que Biden utilizava substâncias para melhorar seu desempenho. “Pouco antes do horário do debate, ele leva uma injeção no traseiro. Querem fortalecê-lo. Eu diria que ele vai aparecer todo drogado”, afirmou o agora candidato, sem qualquer prova.

TEORIAS NÃO SÃO NOVIDADE

As conspirações envolvendo Biden existem desde ao menos 2020, quando ele se elegeu após derrotar Donald Trump. Nesse período, grupos brasileiros no WhatsApp importavam alegações de que o então candidato democrata seria uma peça “controlada pelo deep state”, que planeja um “grande reset” para subjugar toda a humanidade.

A ideia de que existem grupos de elite que controlam secretamente as decisões tomadas pelo governo americano não é recente, mas ganhou força nos últimos anos — o próprio Trump afirmou em discursos para apoiadores que um de seus objetivos é “destruir o deep state”.

Além disso, a teoria foi ganhando novos contornos com o tempo e é uma das bases do movimento de extrema-direita QAnon — que afirma, dentre outras questões, que a elite global por trás do deep state sustenta uma rede internacional de pedofilia e satanismo que envolve membros do partido Democrata, celebridades e figuras de renome nos meios político e empresarial. Ainda segundo o grupo, Trump seria o “salvador” escolhido para destruir o tal “Estado profundo”.

Apesar de ser calcado em mentiras, o movimento QAnon gera ameaças verdadeiras. Em 2019, o FBI, polícia federal dos Estados Unidos, classificou a teoria conspiratória como uma ameaça de terrorismo doméstico.

Os temores da agência governamental foram comprovados em 6 de janeiro de 2021, quando, após a derrota de Trump para Biden, centenas de agressores invadiram o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos. Dentre eles estavam diversos adeptos do movimento, inclusive o homem que se tornou o rosto da invasão e ficou conhecido como “xamã do QAnon”.

‘BIDEN DA SILVA’

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é alvo de ataques sobre sua capacidade há anos: publicações que distorcem falas ou apresentam gafes do petista são acompanhadas de legendas que sugerem que ele estaria bêbado em eventos oficiais.

Essa linha desinformativa persegue Lula desde antes dele ser eleito para seu terceiro mandato. Em 2019, por exemplo, Aos Fatos desmentiu que uma foto mostraria o petista bêbado em Davos, na Suíça, durante um evento em 2003.

Publicações semelhantes viralizaram nos anos seguintes e passaram a ser mais frequentes com a vitória de Lula em 2022. Uma estratégia desinformativa que tem sido comum é o compartilhamento de falas em velocidade reduzida para sugerir embriaguez.

A situação de Biden, no entanto, acabou se entrelaçando com a brasileira após o último debate: comparações entre os dois mandatários têm sido feitas nas redes.

O objetivo é sugerir que a idade de Lula, 78 anos, também seria um impeditivo para que ele continue como presidente ou concorra à reeleição em 2026 — quando terá a mesma idade que Biden tem hoje. Nesta sexta-feira (5/7), o próprio Lula comentou a comparação com Biden e rebateu quem o considera cansado. “Primeiro, todos acham que estou cansado, eu convido a fazer uma agenda comigo durante o meu mandato”, afirmou, segundo o portal Uol. “Se ele aguentar levantar às 5h da manhã e dormir meia-noite, ele pode dizer que estou cansado.”